quarta-feira, 10 de junho de 2009

Folha diz que MP 458 é um avanço

Mas, para o Estadão, o texto abre possibilidade para beneficiar grileiros na Amazônia

BRASÍLIA (09/06) – “A Medida Provisória sobre a mesa presidencial pode não ser a ideal para passar uma régua na balbúrdia fundiária que impera na Amazônia, mas surge como o compromisso político possível em meio ao antagonismo que costuma paralisar todo e qualquer debate sobre a região.

"Um avanço, sem dúvida”. É assim que o jornal “Folha de São Paulo” abre seu editorial de hoje (09). O texto de conversão da MP 458, de autoria do deputado Asdrubal Bentes (PMDB-PA), foi aprovado na última quarta-feira (3) no Senado e seguiu para a sanção do presidente Lula. Por outro lado, o jornal O Estado de São Paulo vê a MP de outra forma. “A título de regularizar as posses de pequenos agricultores em terras públicas federais na Amazônia, abriu-se a possibilidade de legalizar a situação de muitos grileiros.”

Confira os dois editoriais e manifeste sua opinião. Jornais de 09/06/2009 (Folha de S. Paulo e O Estadão)

Amazônia legal MP da regularização fundiária aprovada no Congresso é um avanço, pois costura equilíbrio entre visões antagônicas
Folha de São Paulo

A REGULARIZAÇÃO fundiária das áreas da União ocupadas na Amazônia constitui um dos raros temas sobre os quais há algum consenso acerca dessa parte do Brasil. São 674 mil km2 - 8% do território nacional - sem titulação ou com documentos inconfiáveis.

Ruralistas e ambientalistas concordam em que a Medida traria uma onda virtuosa de justiça social e segurança jurídica para a região, precondição para sua integração à moderna economia do país.O acordo sobre a necessidade da regularização, contudo, não se estende a todo o conteúdo da Medida Provisória aprovada pelo Congresso na quinta-feira e aguardando sanção do presidente Lula. Pelo texto, poderão ser alienadas aos detentores posses de até 1.500 hectares (15 km2).

Os que se batem pela preservação da floresta consideram o limite excessivo, um prêmio à grilagem de terras. Como se sabe, a ocupação de terras públicas para pecuária é um dos grandes vetores do desmatamento.Com efeito, o conceito legal de pequena propriedade -objeto principal da pretendida regularização- é o de quatro módulos fiscais (na região, em geral 400 hectares). Como a lei prevê que propriedades na Amazônia mantenham intocados 80% da mata, sobrariam para uso 300 desses 1.500 hectares, o que não cabe chamar de latifúndio.

Não soa absurdo que Lula tenha optado por uma extensão mais ao agrado do interesse dos agricultores. De todo modo, as posses entre 400 ha e 1.500 ha são só 10% dos imóveis, ou 12% da área em questão, nada que ofusque o mérito da iniciativa.Há pontos mais polêmicos na Medida aprovada, e eles foram introduzidos na Câmara. O texto, mantido no Senado, prevê que terras da União também sejam tituladas para pessoas jurídicas e por meio de prepostos.

Sua venda poderia ocorrer após três anos. Não parece haver dúvida de que tais dispositivos abrem brechas para desmembrar de modo fraudulento posses maiores que 1.500 ha.Há que levar em conta, porém, que nesses casos a alienação será onerosa e realizada por meio de licitação. Não se pode falar, portanto, de doação de patrimônio público.

Além disso, fixar um prazo mais dilatado para venda, como os dez anos exigidos dos minifúndios regularizados sem ônus, não impedirá a proliferação de contratos de gaveta na Amazônia – precisamente o oposto da ordenação jurídica que se pretende alcançar.A ala ruralista do Senado, liderada pela relatora Kátia Abreu (DEM-TO), abriu mão de alterações ainda mais permissivas, para evitar novas votações e a perda de validade da MP. Já os vetos defendidos pela senadora Marina Silva (PT-AC) foram derrotados no plenário.

É improvável que o Planalto os aceite.A Medida Provisória sobre a mesa presidencial pode não ser a ideal para passar uma régua na balbúrdia fundiária que impera na Amazônia, mas surge como o compromisso político possível em meio ao antagonismo que costuma paralisar todo e qualquer debate sobre a região.Um avanço, sem dúvida.

Estado de São Paulo07/06/2009

Lula e a MP da grilagemGrileiros e outros espertalhões poderão apropriar-se de milhões de hectares de terras públicas, a custo muito baixo ou até sem custo, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vetar os artigos mais nocivos da Medida Provisória (MP) 458. Essa MP, aprovada na quarta-feira pelo Senado, foi editada com o objetivo oficial de promover a regularização fundiária na Amazônia.

Deveria facilitar a legalização da posse de 67,4 milhões de hectares, avaliados em cerca de R$ 70 bilhões. Falhas foram apontadas já no texto original, por facilitar a venda sem licitação de áreas de até 1.500 hectares. Para início de conversa, que tipo de "posseiro" tem capacidade econômica para ocupar produtivamente um terreno dessa extensão?

O projeto poderia ser bem intencionado. A regularização de cerca de 400 mil posses facilitaria a formulação e a execução de políticas de desenvolvimento econômico e de preservação ambiental para uma ampla região. Mas era cheio de falhas e deixava espaço para a ação de especuladores e grileiros sem o mínimo interesse na solução combinada de graves problemas sociais, econômicos e ambientais da Região Amazônica.

A discussão aberta desde o início da tramitação da MP no Congresso foi politicamente inútil. Parlamentares conseguiram piorar o projeto, ampliando o espaço para vários tipos de distorções.
O documento finalmente aprovado, e agora dependente da sanção presidencial, é uma versão disforme de um texto original defeituoso. Pelo menos nisso, nenhuma novidade. Congressistas brasileiros são conhecidos por seu talento para estragar bons projetos e piorar mesmo os textos muito ruins.

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e sua antecessora, a senadora Marina Silva, apontaram alguns defeitos muito graves no documento aprovado pelos congressistas, todos derivados de emendas.

Pelo texto aprovado, poderão requerer posse legal pessoas não residentes no município onde se localiza a terra sujeita a regularização. Segundo a senadora Marina Silva, o benefício deveria ser limitado a ocupantes diretos de cada área e sem possibilidade de extensão a pessoas jurídicas. A autorização para pessoas jurídicas participarem do processo também foi acrescentada ao texto por meio de emenda parlamentar.

Segundo a MP original, ocupantes beneficiados com a posse legalizada poderiam vender as terras somente depois de dez anos. Pela versão aprovada, o prazo será reduzido para três anos, no caso das áreas grandes e médias. Com isso, a regularização da posse, por meio de vendas sem licitação, poderá tornar-se um excelente negócio para especuladores fundiários.

Se levar em conta as observações do ministro Carlos Minc e da ex-ministra Marina Silva, o presidente Lula poderá pelo menos eliminar alguns dos piores aspectos da MP convertida em lei. Para isso, teria de assumir uma posição mais clara a favor da conciliação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, abandonando a inclinação, demonstrada até agora, a favor do primeiro objetivo.

O veto aos piores artigos seria o primeiro passo para se retomar um tratamento sério do assunto. Depois disso ainda faltaria executar a tarefa imensamente complexa de legalizar 400 mil posses. Mesmo com uma base melhor que o texto sacramentado pelo Congresso, as autoridades terão muito trabalho para avaliar as pretensões dos candidatos à posse regularizada e para evitar fraudes.

As distorções criadas pelas emendas são claras. O presidente não teria de escolher entre opiniões de ambientalistas, invocadas pelo ministro do Meio Ambiente, e interesses defendidos por grupos de fazendeiros.

Se examinasse o assunto de acordo com essa perspectiva, correria o risco de equivocar-se. Não se trata, agora, de resolver conflitos entre ministros, mas de levar em conta o objetivo inicialmente atribuído à MP. Os próprios ministros, ao estabelecer alianças com diferentes grupos de interesses, fragmentam as ações do governo e dificultam a articulação de seus fins. Mas neste caso não parece haver margem para dúvida.

Embora o texto original fosse mal formulado e desse espaço a alguns abusos, a intenção, deve-se presumir, não era beneficiar grileiros nem promover a especulação. Se a meta é levar a legalidade à Amazônia, para promover o desenvolvimento equilibrado, o presidente não deve ter dificuldade para decidir os vetos na hora de sancionar a lei.

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